Controle dos gastos públicos em tempos de pandemia

Na medida em que os países conseguem mensurar minimamente o impacto da pandemia na sociedade, emerge o consenso de que estamos diante de uma tormenta impossível de atravessar sem o protagonismo do Estado, seja na gestão do pesadelo epidemiológico seja na indução da reconstrução econômica e social.
Não há exagero retórico quando analistas repetem termos como “economia de guerra”, pois os efeitos estão cada dia mais próximos aos de um conflito armado global. Se buscarmos
referências em situações similares do Século 20, nos deparamos com variantes do modelo de John Keynes, influenciador da reforma do capitalismo no pós-guerra. O britânico defendeu intervenções pontuais e temporárias pelo Estado na economia durante situações
de crise grave, com investimentos públicos e políticas voltadas ao pleno emprego, ainda que resultassem em certo desequilíbrio fiscal.
Os representantes do Estado brasileiro têm sido obrigados a reconhecer a responsabilidade do poder público na organização do sistema de saúde, na ampliação da rede de assistência
social, no socorro à economia real, no estímulo ao mercado financeiro e na manutenção de empregos. O Congresso vem aprovando dispositivos que autorizam medidas
essenciais para o enfrentamento da conjuntura excepcionalíssima que se apresenta. Já o Supremo Tribunal Federal afastou cautelarmente, em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade, algumas exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal no que
concerne a despesas emergenciais de combate ao vírus e de proteção à população vulnerável. Tais medidas permitem que o Poder Executivo, em todos os níveis, tenha melhores condições materiais para tomar atitudes rápidas, com mais segurança jurídica.
E o controle externo, como deve se posicionar? A urgência e o ineditismo que marcarão muitos atos administrativos desta época exigem mais do que nunca a atuação pedagógica
e preventiva dos Tribunais de Contas, para que se preserve a autonomia dos gestores sem ignorar eventuais irregularidades nos gastos, seja por má-fé ou descuido.
Primeiro, lembro aos municípios que deverão enviar seus Decretos de Calamidade Pública à Assembleia Legislativa do Estado para reconhecimento, conforme previsão legal. É importante que cada um deles demonstre a efetiva necessidade, fundamentada em fatos e circunstâncias.
Segundo, esclareço que a decisão do STF relativa à LRF afasta a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias, exclusivamente, para a criação ou expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento da crise gerada pela COVID-19. Além disso, os efeitos da Medida Cautelar concedida pelo Ministro Alexandre de
Moraes incidem somente durante a vigência do decreto de calamidade de cada ente federativo, que pode se estender, no máximo, até 31 de dezembro de 2020.
Justamente por causa das flexibilizações legais inerentes à situação de emergência, alerto também para a necessidade de se enfatizar a observância ao princípio da transparência
em relação às contratações de pessoal, aquisições de bens e serviços e renúncias de receitas. A publicidade é especialmente importante agora, para que os órgãos de controle externo e a sociedade, diretamente, tenham condições de acompanhar e fiscalizar o trabalho dos gestores.
Nesse sentido, sugiro a utilização de sites oficiais, além de outros canais gratuitos de comunicação social. Reforço ainda a necessidade de fixação prévia de critérios objetivos –
além daqueles já estabelecidos na legislação vigente – para a concessão de qualquer benefício pelo poder público, como, por exemplo, auxílio financeiro aos mais necessitados, ou isenção fiscal a pessoas jurídicas em dificuldades.
Esse cuidado é importante para que se respeite o princípio da impessoalidade e se preserve a isonomia no tratamento de cidadãos e empresas.
Por fim, é imprescindível que os gestores informem aos respectivos Tribunais de Contas, por meio de relatórios periódicos, todas as ações adotadas no combate ao novo coronavírus e aos seus efeitos reflexos, indicando as despesas e respectivas fontes de custeio.
Tais alertas e orientações alinham-se com o ímpeto colaborativo recomendado em resolução conjunta emitida por cinco entidades representativas de membros dos Tribunais
de Contas do país. Enquanto integrante do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, reforço meu compromisso de conduzir o controle externo da administração pública de
uma forma coerente e adequada ao momento que enfrentamos, antecipando esforços, em ações concomitantes à gestão da crise, em solidariedade a todos. Esta é a guerra da nossa
geração. As balizas legais estão aí.
Ajam! Qualquer hesitação pode ser incorrigível.


Dimas Ramalho é Conselheiro – Corregedor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).